Madrugar no verão, ao compasso do nascer do sol, é bom. Numa vila quinhentista alentejana, na costa portuguesa, é maravilhoso.
Câmara pendurada ao ombro, toalha na mão e óculos de sol para esconder os inevitáveis olhos ensonados de quem dormia mais, mas quis ir explorar esta vila ainda por acordar.
Saio da típica casa térrea alentejana onde estou alojada (assim como uma inesperada barata que se escondeu nos confins do móvel da entrada) e sou cumprimentada pelas dezenas de andorinhas apoiadas confortavelmente nos cabos elétricos da rua. O frio matinal é amenizado pelos raios quentes do sol que começa a ascender lenta e tranquilamente. Enquanto para uns começa o dia, para outros é hora de ir dormir, como os jovens que chegam num pequeno antigo Renault ao som de "Despacito". Cala-se o "andar lentamente" e entra o zoar das abelhas à volta dos girassóis, da alfazema e outra infinidade de espécies florais.
São poucos os carros que circulam àquela hora, por isso torno a estrada o meu passeio e páro para fotografar os encantos de Milfontes. A gente desta terra, que sabe onde se vende o melhor pão, começa a marcar lugar à porta do supermercado mais concorrido da vila e é inevitável não respirar o aroma a pão quente que circula na praça principal onde, também, a mais famosa das pastelarias já está a abrir as suas portas àqueles que anseiam por um croissant misto, ou com chocolate, à refeição mais importante do dia.
Apesar do meu ar de turista sou interpolada, não uma mas duas vezes, por turistas que procuram um sítio onde se venda pão. Primeiro, um casal nos seus sessenta anos que deve estar a iniciar as suas férias a dois. Em segundo, uma simpática e ensonada senhora no seu carro. Devia ser uma mãe à procura de pão quente para dar aos seus filhos, assim que eles acordassem com a tremenda energia de quem não quer parar o dia inteiro entre mergulhos e construções na areia, numa das deslumbrantes praias desta terra.
Não sou a única turista madrugadora. De meias e chinelos, com câmaras prontas a disparar, contam-se numa mão os estrangeiros que optam por acordar cedo e deambular pelas pequenas ruas. Apesar de estar numa vila, o exercício "outdoor" matinal também já se vê por aqui e os "runners" aproveitam as estradas livres de trânsito para marcar os seus recordes pessoais. Enquanto uns fotografam, correm, meditam, saltam e transpiram, outros, dormem. Como o felino felpudo e de barriga cheia que sonha com as suas sete vidas, enquanto o sol lhe aquece os longos bigodes, num banco junto ao forte que protegia a cidade contra piratas há cinco séculos atrás.
Não foi apenas um, mas sim vários os dias em que fui explorar Milfontes ao nascer do sol. Um dia apenas de câmara, outro sem ela e com sapatilhas para me juntar aos outros runners, outro de toalha na mão para fazer yoga ao som das ondas e das gaivotas, na areia ainda fria e húmida. Num deles o nevoeiro apareceu para dar um encanto de magia a Milfontes. Na marina os barcos oscilavam ao movimento das ondas, os primeiros navegadores começavam a preparar as pequenas embarcações que iriam cortar a neblina matinal.
Em Milfontes o calor só chega por volta das 9h30. Até a essa hora são poucos os que arriscam ir pôr os pés na areia, e muito menos no mar ou na água do rio Mira. Sim, porque nesta terra a praia é quase híbrida, com o rio de um lado e o mar do outro. Quem está na Praia do Farol está no paraíso.
Depois de uma hora e meia entre fotografias, yoga e pseudo meditação ao som das ondas, volto para casa para tomar o pequeno almoço e seguir para um dia de banhos de sol na praia. O supermercado da vila já abriu e a fila à porta já se espalhou pelos corredores das diferentes secções. Os moradores passam por mim com sacas de pão de todos os tipos, deixando um rasto delicioso e tentador no ar. O estômago a dar horas pede-me que entre no supermercado e numa questão de minutos já estou a escolher duas variedades - de sementes, e de alfarroba - e a marchar rapidamente para preparar o pequeno almoço como uma verdadeira alentejana de Milfontes: com o melhor pão da vila e arredores.
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